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Todas as segundas, quartas e sextas um artigo quentinho com opiniões aleatórias, questionamentos socráticos e visões confusas de mundo!

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Rótulo... qual o seu?

No meu primeiro texto aqui no blog, eu comentei sobre as máscaras que utilizamos na sociedade, por convenções nas quais entramos (de gaiato ou não). Ainda fazendo minhas observações, lendo e refletindo sobre a temática, me veio a ideia de falar sobre os rótulos sociais.
Afinal, você é rico? pobre? Ou seria classe média alta? ou  baixa?
Você é negro? branco? mulato? Ou talvez mameluco...
Vocês é gordo? Ou magro? Talvez sarado... ou, por que não, rechonchudo?
Gay ou hétero? Travesti ou transexual? Bissexual, quem sabe? Ou seria goy, bichinha, drag, crosdresser ou goiunage? Seria lésbica ou sapata ou caminhoeira?
Ah sim, você é católico... ou evangélico? Por que não budista, islâmico ou espírita? Ou ainda, ateu... ou tudo?
Sim, peguei logo pesado nos rótulos... E poderia continuar uma lista infinita aqui... Mas, qual a necessidade de se rotular?



Em um objeto, o rótulo serve para informar sobre o que ele é, quais suas características e/ou composição. Serve para distinguir uma coisa de outra. Assim, ao compramos um alimento, por exemplo, sabermos do que ele é feito, qual a quantidade de nutrientes e cia, e também sua validade. Mesmo em condições normais de temperatura e pressão, pode haver pequenas variações nessas características, quase imperceptíveis aos olhos em geral. Segue um padrão.
Mas, quando se rotula um ser humano, vejo inicialmente duas questões: a primeira é uma característica do ser humano, ímpar em relação a outros seres, que é possuir o livre arbítrio, o que faz ele ser uma “caixinha de surpresas”; a segunda é um aspecto que considero negativo, que essa generalização gera, que é a de se levar facilmente a um preconceito.
Discursando sobre esse aspecto negativo, é fato que para se compreender algo, precisamos dividir as coisas, ou seja, nossa mente trabalha com um sistema de comparações, e até aí é natural. Nossa mente faz uma síntese para compreender algo; quanto menos análises tivermos que fazer, mais fácil entenderemos. O problema é quando fazemos um julgamento pessoal, o que implica colocarmos interesses e gostos próprios para fazer essa comparação, que vai levar a uma comparação do que é melhor ou pior.
Identificar uma pessoa por uma determinada característica pessoal não vejo como problema... Precisamos de referência para tudo... Desde que essa identificação não seja maldosa. Maior problema considero quando se julga uma pessoa dentro da generalização dos rótulos, como se faz com objetos. Quando se rotula uma pessoa, a colocamos dentro de um grupo de comportamentos generalizados, esquecendo, mesmo que inconscientemente, que o ser humano possui o já citado livre arbítrio, e pode abrir sua caixinha com surpresas (ao menos para nossos olhos). Exemplo: ela é gorda, logo ela vai comer muito se for em minha casa; então, vou ter que comprar muita coisa para ela comer... Outro exemplo: ele é gay, logo vai dar em cima de todo homem que passar na frente dele, e ainda vai ter aqueles trejeitos afeminados estereotipados... E mais um exemplo: ela é rica, então, é arrogante, humilha outras pessoas ao exibir, ostentar (a palavra da moda!) sua riqueza; e esta outra, ela que é pobre, é humilde, não humilha outras pessoas... Será?... Enfim, são limitações que os rótulos acabam gerando; eles acabam mais atrapalhando que ajudando.
Entretanto, apesar de discorrer sobre aspectos negativos aos quais a rotulação nos leva (sim nós! pois rotulamos tudo e todos, com ou sem preconceitos) , também percebo que há o lado da pessoa rotulada se colocar como vítima. Não falo aqui de “ataques preconceituosos” ou bullyings, mas de uma susceptibilidade em se sentir ofendido por qualquer rotulação. Se uma pessoa se vira para outra e fala: “Sabe aquela rapaz que é gay...” ou “Aquela moça negra...”, não vejo ofensas aqui, mas uma forma de identificar uma pessoa. Reforço: desde que tenha realmente essa intenção, e que a continuação dos três pontinhos seja para continuar falando sobre a pessoa e que foi realmente uma identificação. Falo isto porque foi criado um outro rótulo de falar “politicamente correto”; mas, o que há de incorreto nesses termos?
Continuando... Se uma pessoa chama outra “Ei, magrão!” ou “Vem cá, gordo!”, se eu sou magro ou gordo mesmo, por que me ofenderia? Sim!... há pessoas que estão se ofendendo facilmente. Um dia desses vi uma desses posts na internet que falava mais ou mesmo assim: “As pessoas estão se ofendendo com tudo hoje, que se eu posto a foto de uma comida, alguém vai responder que estou ostentando porque tem muita gente que passa fome no mundo”. É tipo isso mesmo... E, por favor, não se ofenda agora...
Neste mundo de rótulos, cada um é o que é, com suas diferenças, com suas grande qualidades e vários defeitos. Que sejamos felizes! Sejamos nós mesmos! Vivam seus sonhos! Mas sem prejudicar os outros - e nem a si mesmo, pois fazer algo que faz mal a si mesmo é o rótulo do masoquismo. Sejamos melhores! Sempre! E se for para ter um rótulo, que seja o de SER HUMANO. 



*Fonte da imagem: https://urbanplushproject.wordpress.com/2012/02/21/diversity-the-art-of-thinking-independently-together-malcolm-forbes/

quarta-feira, 29 de julho de 2015

O Brasil e a política: um caso de amor

Pode parecer estranho mas, muito mais que uma mera relação de interesses, o Brasil parece viver uma ardente relação amorosa com a política. Digo isso não apenas para contestar o já tradicional discurso de alienação política do brasileiro, mas por ser a única resposta plausível para explicar o comportamento da brava gente brasileira. Que outra coisa, que não os sentimentos mais aflorados e irracionais, tal como uma arrebatadora paixão, poderia explicar como a maior parte da nação se engalfinha em apontar os erros do adversário enquanto tanto uns quanto os outros estão todos de mãos dadas na enorme crise econômica e política que está apenas começando?

Buscar soluções costuma ser coisa que casais apaixonados deixam para fazer apenas quando a relação está muito muito perto do fim. Antes disso, o casal apaixonado sempre vai despejar os ciúmes e as mágoas no outro; sempre vai ter de lembrar ao outro daquela data especial que ele esqueceu ou jogar na cara os sacrifícios que lhe são pedidos para aturar a velha tia chata nas festas de família. O problema deste comportamento entre casais apaixonados é que, muitas vezes, a paixão acaba antes que as soluções sequer comecem a ser procuradas. Assim, o sentimento, que fazia a coisa ser tão intensa, bloqueou tanto a razão que o próprio sentimento se consumiu, feito uma vela de palha que pode queimar intensamente por alguns segundos. Relações menos apaixonadas de início tendem mais a se fortalecer e crescer, como uma vela de sebo, que pode queimar com um chama forte e constante por vários dias seguidos. O segredo destas relações é que, junto a toda paixão, se dilui um pouco de razão, e ao menor sinal de desgastes o casal senta, conversa e acha soluções aprazíveis para os dois.

Agora vamos falar de ajuste fiscal: de um lado, o governo é obrigado a fazer ajustes para estancar as contas públicas; do outro a oposição, que na eleição havia sido até mais sincera e dito que medidas de ajuste teriam de ser adotadas, critica o governo por supostamente retirar direitos dos trabalhadores. Neste ponto, falta sinceridade à oposição; realmente, a maior parte do ajuste proposto foi de correções de distorções, ou alguém aí acha realmente justo um(a) viúvo(a) de vinte e poucos anos ficar recebendo pensão do Estado para sempre? Os casos do seguro desemprego também estavam bastante alarmantes, com os gastos do seguro subindo mesmo com o desemprego baixo e estável. Posso dizer que conheço mais de uma pessoa que já fez acordo com a firma para ser demitida, continuar trabalhando e recebendo o seguro desemprego. O que a oposição não atacou: existem outras várias distorções para cima que não foram tocadas: as aposentadorias e pensões de alto escalão são absurdas, tanto no tempo para fazer jus a elas quanto nos valores. A “punição” a juízes com aposentadoria. A farra dos auxílios moradia. Além de todos os infinitos benefícios de altos escalões. O governo cometeu um erro crasso ao não cortar (mesmo que os valores finais de economia não fossem tão altos) na carne, nos altos escalões, em primeiro lugar. Desde novos aprendemos com o exemplo, se nossos pais ou professores fazem algo ou deixam de fazer tendemos a imitá-los. O “faça o que eu digo, não faça o que eu faço” nunca colou. Houvesse seguido este caminho teria como se defender e dizer que estava fazendo mudanças estruturais e não apenas apertando para quem está abaixo. Que governo e oposição não queiram trazer com firmeza essas discussões à tona entende-se. O alarmante é ver a sociedade comprando o discurso de “impeachment” de um lado e “golpe” do outro.

Outro ponto debatido em campanha, e que depois morreu e não tomou rumo de um amplo debate nacional: o número de ministérios. Quando se atacava os quase 40 Ministérios em campanha o governo sempre retrucava: “quais os Ministérios seriam cortados em seu governo?” e isto bastava para afugentar as críticas. É como se o candidato citasse o Ministério do Esporte isto representasse que ele não daria fomento ao esporte no país. A eficiência das estruturas e políticas dificilmente eram descoladas. Sempre pensei que a esgrimista brasileira Cléia Guilhon (já que o governo não ajuda, entre no link e dê uma força a essa atleta fantástica!) preferiria uma Secretária do Esporte ligada ao Ministério da Cultura ou Educação, que fizesse uma política de dar espaço a atletas de alto nível em universidades e os levasse para competir em alto nível em campeonatos internacionais, do que ter um Ministério do Esporte que paga uma bolsa atleta com valores que mal dão para arcar com as despesas de treinamento dela e ponto final. Outra vez as pessoas tomam posições de “mais Estado” ou “Estado menor” e todo mundo esquece que este tamanho não tem absolutamente nada a ver com a eficiência e eficácia da máquina estatal.

Por fim, gostaria de rememorar asaudosa CPMF: foi implementada no governo tucano a despeito da oposição petista, que bradava que o brasileiro não aguentava mais impostos. Caiu no governo Lula, com os tucanos atacando e não deixando que a contribuição se tornasse imposto regulamentar, pois o brasileira não aguentava mais impostos, os petistas agora como governo argumentavam que a saúde precisava deste imposto, e que ele era , mais justo, pois quem movimentava mais dinheiro pagava mais. Enfim, quem era governo queria o imposto, quem era oposição ia contra. Assim ninguém parecia preocupado em ter uma postura ideológica sobre se é uma forma eficiente de se cobrar imposto ou não, mas se eu posso arrecadar mais no meu governo ou impedir que o outro arrecade. Da mesma forma, tivemos apaixonados endossando os posicionamentos de oposição e governo em ambas as ocasiões (ainda na tentativa de voltar com esse imposto no governo Dilma 1).


Com a crise que nos bate à porta só posso ver uma saída para o Brasil não convulsionar e retroceder em muitos pontos avançados nos nossos quase 30 anos de democracia: deixar a paixão pelo lado político de lado, deixar os mais altos sonhos esperarem um pouco, e todos juntos procurar soluções aplicáveis e eficientes, independente da coloração política. Antes que tenhamos que procurar outro par para nos apaixonar.

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Um novo lar

http://www.iflscience.com/say-hello-earth-20-historic-kepler-discovery-suggests-we-are-not-aloneEssa semana, me deparei com uma possibilidade ao mesmo tempo incrível e infeliz. A possibilidade de um novo lar para o homem. Na noite da última quarta-feira, meu coração bateu acelerado quando li que, na tarde do dia seguinte, a Agência Espacial Norte Americana (Nasa) faria um importante comunicado. Esperei por formas de vida unicelulares em Titã ou em algum outro ponto do sistema solar, uma nova descoberta da New Horizons, além da cauda de Plutão, ou notícias das nossas queridas sondas Voyager, com os discos de Carl Sagan nos limiares do sistema solar ou além (whoa, baby! Estamos explorando o espaço!!!). A notícia foi veiculada logo cedo: uma Terra 2.0.

Batizada de Kepler 452b, descoberta pelo satélite Kepler, a Nova Terra, se for mesmo rochosa, apresentará muitas das características do nosso planeta. Aproximadamente 60% maior que o nosso pálido ponto azul, ela leva cerca de 385 dias para girar em torno do seu sol particular, uma estrela pouco mais de 1 bilhão de anos mais velha que a nossa e também um pouco maior. A distância entre o novo lar e o forno atômico que o aquece também é proporcional, isto é, trata-se de um planeta na "zona habitável", com uma temperatura que garante água em estado líquido (desde que haja água por lá). Pode ser um mundo parecido com o nosso, pode abrigar vida, pode, um dia, ser uma base para a humanidade, quando nos lançarmos às novas grandes navegações.

Kepler 452b fica a cerca de 1.400 anos luz da terra. Isso significa que, viajando à velocidade da luz, demoraríamos 1.400 anos para chegar lá. Também significa que, se mirássemos um super-satélite para o novo lar, um satélite tão poderoso que seríamos capazes de enxergar com clareza um lagarto de três cabeças caçando na superfície selvagem desse mundo, veríamos uma cena que aconteceu há 1,4 mil anos. Se, de lá, olhássemos para a Terra, veríamos o império neo-babilônico a todo pano, no local que, hoje, chamamos de Oriente Médio. A meta, agora, seria descobrir como dobrar o espaço e atravessar um buraco de minhoca. Seria desenvolver a tecnologia adequada para a quase não fictícia animação suspensa. Seria iniciar um processo de colonização independente de um novo mundo. Já temos as desculpas que precisávamos para, audaciosamente, ir onde homem nenhum jamais esteve, mas, infelizmente, morreremos no "seria".

Espero que essa descoberta valha a pena daqui a alguns séculos, pois no palco da Terra, a tragicomédia que vivemos torna esse novo mundo bem mais longe do que ele já é. Temos, em um lado da balança, um possível planeta habitável e, no outro, uma velha, velha civilização. O homem merece viver, ir além do que fomos até hoje, desbravar o Universo. Mas não o homem do nosso tempo. Depredamos a terra a um ponto sem retorno, brigamos, matamos e morremos em nome de fábulas chamadas religiões, figuras imaginárias batizadas de deuses e linhas invisíveis denominadas fronteiras. E fazemos isso há tanto tempo quanto conseguimos imaginar.

Falando em imaginar, imagine que fôssemos capazes de, nos próximos anos, desenvolver a tecnologia para chegar à Kepler 452b. O que faríamos com um mundo maravilhosamente novo, que coloca a vida como algo, talvez, banal no Universo, que nos tira do centro do mundo, que mostra que existe ainda mais esperança de encontrar novos lares? Vale a pena viajar toda essa distância para dar continuidade à nossa cultura vigente, ao estilo de vida predominante no nosso planeta? Eis a nossa "cultura vigente": extrair e destruir em nome de uma peça de teatro de muito mal gosto, que consideramos o ápice da evolução; considerar-se superiores às culturas que conseguem viver em harmonia com a Terra; desrespeitar outras vidas, matá-las, destruir habitats, em nome de um lucro que não valerá mais que 50 anos e que definitivamente, não tornará as coisas melhores... Podia quebrar o Blogger só com essa lista.

As vidas desse novo mundo, , levando em conta que existam, intactas a não ser pelo processo de nascimento e morte que promove a evolução, teriam o mesmo direito de existir que as da Terra. De crescer e se desenvolver que as da Terra. Direito esse que violamos copiosamente. E, com isso, estamos nos matando. Ano após ano. O que valeria mais, a extinção de m novo planeta em um tempo, aposto alto, muito menor do que o que levamos para dar início a um novo processo de extinção em massa por aqui, ou a extinção da humanidade e a prosperidade da vida no Universo? Se sumirmos, arrisco dizer, ninguém vai perceber. Lembro-me da pergunta imaginada por Ismael, personagem de Daniel Quinn, se os gorilas teriam chances de sobreviver em um mundo sem os homens. A humanidade não vale tanto quanto um planeta "novinho em folha".

Mas, ainda assim, podemos caminhar em direção à essa estrela, a esse planeta, em uma corrida de 1.400 anos luz. Podemos porque podemos. A caminhada começa aqui e agora. Temos que chegar lá. Nossa vida é muito preciosa. A caminhada, na verdade, começa hoje. Agora. Enquanto escrevo esse texto. Enquanto você lê. A caminhada começa com a demolição dos velhos fundamentos da cultura vigente. Começa com a humildade de olharmos para as nossas culturas mais primitivas e aprendermos com elas. Começa por descartarmos deuses, religiões e consolos. Não existe consolo. Na natureza, como disse um velho filósofo amigo meu, não existe perdão. A caminhada começa de um por um, não para que um homem alcance a nova terra, levando consigo o ambicioso individualismo, mas para que uma espécie o alcance, tornando o Universo um lugar menor e, ao mesmo tempo, maior. A caminhada começa nesse exato instante, para que humanos melhores possam aterrissar na nova e fina atmosfera. Pense em espécie.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Apesar da crise... econômica?


Brasil está em crise!!!! Uma das chamadas “noticialísticas” que tenho ouvido muito ultimamente. Mas, desde quando me entendo por gente (e bota aí uns seis anos de idade, há 20 anos atrás kkkkkkkk), ouço essa história... Uma grande crise econômica, assim dizem... Então, de novidade não tem nada... Nasci numa crise, continuo nela, trabalho com ela e ainda tenho minhas crises pra tratar...

Mas será que vivemos uma crise econômica mesmo?

Não sou economista (nem tenho pretensões para), mas um observador da vida cotidiana das pessoas em geral, ao meu redor, na rua e na TV, que falam, de alguma forma dessa crise, e como elas vivem a partir disso. E é sobre isso que quero discorrer.

Apesar da “crise”, continuo vendo as pessoas lotarem os shoppings, lojas, lanchonetes, restaurantes, cinemas, bares, boates... para consumirem os produtos e serviços. E não me refiro a locais frequentados por um grupo de pessoas de poder aquisitivo maior... O desejo de consumo independe do quanto se tem $$$$ para gastar... Independe de classe social... É uma mentalidade consumista, uma forma de viver. Há valores absurdos e pessoas que pagam por eles... E, por isso, continuam altos.

Apesar da “crise”, o trânsito continua um caos... Alguns dizem que a venda de automóveis caiu... O preço do combustível no Brasil teve seu preço aumentado absurdamente... Mas as ruas e estradas continuam abarrotadas, e ainda com muitas pessoas (as quais tenho certa dúvida de que podem serem chamadas de seres humanos; #momentoindignação), cometendo barbaridades, correndo riscos e colocando outras vidas em riscos desnecessários. Todo mundo impaciente, buzinando aleatoriamente... E nem eu posso reclamar, pois muitas vezes, nesses momentos, lembro de uma frase que o amigo Pedro Paulo disse-me que havia lido em algum lugar: “Você não está no trânsito; você é o trânsito”. Enfim...

Apesar da “crise”, a má vontade em prestar um serviço (com o detalhe de que você está recebendo $$$$ para isto) continua ruim... Senão pior... Está difícil manter-se em um empego ou manter uma empresa no mercado; mesmo assim, o atendimento aos clientes (ressalva 1: bons clientes; ressalva 2: bons clientes = clientes normais, sem frescuras) que deveria ser melhor para, ao menos, mantê-los, está submergida por um lamaçal de má vontade em se trabalhar. Difícil encontrar pessoas que estão comprometidas com o que fazem e que queiram buscar soluções no que se refere a esses serviços. São caras feias, reclamações na frente dos clientes, negligências... E posso muito bem expandir aqui aos serviços prestados na Educação e Saúde, setores com muitas reclamações atualmente (há uns 30 anos, pelo menos...). Profissionais dessa área (já pedindo desculpas à generalização aos que têm realmente a vocação para isso) não querem mais ensinar ou ajudar a tentar curar; e do outro lado, os alunos não querem mais aprender e os pacientes assim o são por qualquer dor de unha e preferem ser vítimas de um sistema. Concordo que as condições estruturais e organizativas de ambos setores estão precárias (eu mesmo precisei utilizar muito a saúde pública no ano passado), mas vejo a situação ser pior por uma falta de colaboração geral: dos professores (e cia), dos médicos, dos alunos e dos pacientes. Todos estes “à espera de um milagre”, e que o Governo resolva tudo... Bom, eu não consigo separar a ideia de cada um de nós é o Governo... mas, enfim... isso pode ser tema para um outro post no futuro.

Apesar da “crise”, momento supostamente de dificuldades, em que as pessoas mais deveriam se unir para superá-la, vejo elas serem cada vez mais reativas antes o que é diferente delas, seja em pensamento, forma de viver ou time de futebol; cada pessoa quer viver o seu mundinho de seu jeito, e que ninguém o invada. E se invadiu, aparecem os conflitos, as brigas, as discursões e os crimes...

“Crise” econômica? Tenho minhas dúvidas... Talvez nem exista essa crise toda que a mídia fala... Mas de uma estou certo que exista: a humana.

Sem querer dar uma de moralista (pois sei que vai parecer) e nem relacionar este termo com aspectos religiosos, até mesmo porque a moral não pretende a nenhuma instituição criada, mas é me parece algo próprio do ser humano, o fato é que: se não temos controle sobre nossos desejos de consumir mais e mais coisas, mesmo que para isso eu me indisponha com as pessoas ao meu redor; se o que importa é o quanto eu vou ganhar por fazer algo, antes o bem que estiver fazendo, para mim ou outra pessoa; se o mais importante é eu garantir a minha parte e permitir que o resto do mundo “se exploda”; se considero que a minha ideia, o que eu penso e a forma que eu vivo é a mais correta... Para mim, a única crise que está acontecendo de fato no mundo é a da tentativa de ser humano. Crise política, econômica, social, educacional, na saúde... são só resultado da falta de humanidade, entendendo por este termo uma capacidade de harmonização de várias partes (indivíduos) para que um todo (no caso do texto de hoje, o Brasil) possa funcionar bem, como um corpo só.

Alias, preciso voltar a arrumar minha planilha e vida econômica que está um caos, e não foi por causa de crises no país nesse setor... Só acho que gastei demais, desnecessariamente...



segunda-feira, 20 de julho de 2015

Olívia, Peter Pan e os piratas


"Isso é idealismo juvenil, utopia. Quando você estiver mais velho, compreenderá." Perdi as contas de quantas vezes eu ouvi essa frase na minha adolescência. Hoje, guardo meus arroubos idealísticos para mim. Quando muito para a Paula, para o PP ou para o Blog. O que eu ganho com isso? Bem, não me considero recluso ou retraído. Não penso que faço isso para não evitar ouvir essas sábias recomendações sobre como as coisas não devem ser mudadas. Acredito, sinceramente acredito que estou amadurecendo minhas ideias. Ideias políticas, humanistas, filosóficas e até científicas (guardadas as devidas limitações). Todos têm direito de ter ideais. Todos têm direito de querer mudar as coisas e de expressar isso livre e sinceramente, a despeito da idade e das limitações do próximo.

Bem, aconteceu! Estou mais velho. Minha forma de ver o mundo mudou e continua mudando. Se não investi loucamente nos meus ideais revolucionários, sou o principal responsável por isso. Se o mundo for acabar por conta da minha letargia, admito, sou culpado. Mas exijo que "os mais velhos" também assumam sua parcela, por bombardear mentes juvenis em chamas com baldes de água fria e acusações infundadas de inexperiência e desejos utópicos. Isso me deixa maluco. Tenho uma filha. Linda. Nove meses. Fico imaginando como será o mundo em que ela irá crescer e as dificuldades que enfrentará. Sonho que ela seja leitora ávida, e que faça algo de útil para a humanidade, afinal de contas, estamos precisando. Sonho instigá-la, caminhar ao lado dela, ouvir as ideias mirabolantes e acusações efervescentes e apoiá-la. A vinda da Olívia me trouxe à realidade. Com isso, me senti ainda mais impelido a cultivar os meus ideais.

Sonho em criar um ser humano melhor, para que o mundo possa ser melhor. É uma ideia bem simples. O mundo precisa ser melhor, eu tenho o dever de ser um cara melhor, e gastei e gasto minhas energias me embrenhando em um sistema que trabalha para resolver os problemas do sistema e não das pessoas. Em que os negócios são, e serão, sempre o mais importante de tudo, o primeiro lugar. E não a espécie humana. Nos esquecemos de pensar como espécie, tão frágeis quanto os gorilas e as borboletas. E, se pudermos preparar os próximos seres humanos para serem melhores, já estaremos fazendo algo de consistente pelas mudanças. Algo que governo nenhum, escola nenhuma jamais farão. Algo que "os mais velhos" com certeza não farão. Pois já sabem como a banda toca. Já sabem como funciona o mundo. Já sabem. Já sabem e, por isso, não questionam, não duvidam, não mudam.

Bem, eu, aqui, aos 32, quase 33, preso à Terra do Nunca, olho para trás e me lembro das duras palavras, muitas vezes proferidas por pessoas confiáveis. Por pessoas que lutaram por um Brasil melhor na década de 60 e 70. Quando eu crescer, eu vou entender. Era tudo utopia. Ok. Eu, aqui, aos 32, quase 33, de aliança no dedo e casamento marcado, cresci. O tempo passou mesmo. E me parece que passou bem rápido. O mundo está pior. Bem pior. Tenho poucas razões para imaginar o contrário. O aquecimento global está em um ponto sem retorno. A degradação da Amazônia, igualmente. A humanidade é assolada pela miséria, pelas guerras e pelo fanatismo religioso. Uma música distante e baixinha toca na Europa: a trilha sonora das Grandes Guerras. O Brasil parece se derramar aos encantos da serpente. Nada mudou, pois eles, "os mais velhos", os piratas, sabiam como as coisas funcionavam. Muita gente busca refúgio na esterilidade do esoterismo ou no atraso medieval das religiões, e, enquanto rezam ou proferem mantras, as coisas acontecem.

O mundo mudou para pior. Mas e a utopia? Não era tudo utópico em meus pensamentos? Que diferença faria, então, eu tentar mudar algo? Dizer que um determinado raciocínio é utópico é uma maneira preguiçosa e indigna de descartar uma ideia. As máquinas da revolução industrial são resultados de ideias e testes de outros protótipos, que datam mais de 100 anos antes de um dos momentos mais criativos da história humana. O primeiro conseguiu um instrumento, para nós, rudimentar, mas sonhou com uma utopia à vapor. O segundo melhorou aquela invenção, com o mesmo sonho. Hoje, essa classe de máquinas é ultrapassada e prejudicial ao meio ambiente. Precisamos de ideias assim, mas para a espécie humana, para que possamos sobreviver, salvar o planeta e explorar o espaço.

O melhor das ideias é que elas não respeitam sexualidade, etnia ou acúmulo de riquezas. A ideia, como objeto, comporta-se de maneira "utópica". Ninguém, nem o pior dos totalitaristas pode deter a criatividade, os sonhos, os pensamentos. Fluam eles como cálculos ou poesias. Podem, no máximo, te fazer acreditar que têm esse poder. É o que fazem os piratas quando dizem que os ideais dos jovens são como são por inexperiência e inclinação às utopias. Tentam apagar a luz que não podem roubar. Eu posso escutá-los. "Gancho! Gancho! Gancho! Gancho!" Piratas! Quando alguém mais novo te apresentar um pensamento utópico, ao invés de descartá-lo, ajude-o a questionar e refletir sobre o tema. Certamente algo de jovem entrará em nós e nos ensinará coisas novas.

E mais sobre a utopia... Não é utópico acreditar quer nosso sistema prisional resolve o problema da criminalidade e da violência, que precisamos de mais cadeias? Não é utópico pensar que reduzir a maioridade penal vai ajudar a diminuir a criminalidade? Não é utópico pensar que proibir os abortos fará com que as pessoas não abortem? Que sua religião, dentre as milhares que existem, é a correta? Não é utópico pensar que o capitalismo e seu irmão gêmeo, o comunismo, tem o poder de resolver o problema da humanidade quando, em ambos os casos, eles estão focados no ter, e não no ser? Em mudar os caras que controlam as coisas, e não em mudar o homem? São essas as utopias dos piratas, dos "mais velhos". As utopias podem ser belas e terríveis. Principalmente quando acreditamos nelas sem entendê-las, questioná-las, revisá-las, revistá-las.

No amadurecimento de minhas ideias não encontrei a chave para todos os nossos problemas. Mas, aprendi que é preciso questionar. Se questionar. Duvidar é fundamental. Que é preciso, a todo tempo, testar a firmeza e a realidade das próprias crenças. Aprendi a não esperar ajuda vinda de fora. De outro planeta ou de outro mundo. Não seremos ajudados. Estamos sozinhos nessa. Nós e os bilhões de espécimes da Terra, que tem tanto direito de estar aqui quanto a raça humana. Ah! Aprendi, também, que nós somos os políticos. Que a política é feita de gente. Que os ladrões na Câmara Legislativa, dos Vereadores ou dos Deputados são nossos representantes porque se candidataram e nós votamos neles. Parece óbvio, mas não é. O óbvio é invisível aos olhos. Porque eu não me candidatei? Ou minha mãe, que se envolve com a política há décadas? Ou você? Bem , esses são nossos representantes. E você pode dizer que um ou outro não lhe representam, mas representam sim. Foram eleitos em um processo democrático que você participou, ainda que seja votando nulo.

Aprendi, ainda, que os piratas acusam os idealistas porque eles representam a transformação, a mudança, o tempo. E o crocodilo das horas os perseguem com seu apavorante "tique-taque". E aprendi, por último, que esse crocodilo é insaciável, e persegue também aos sonhadores, e persegue, com os dentes em riste, a nossa permanência aqui na terra. Urge agir, urge mudar, urge sonhar... Tique-taque, tique-taque, tique-taque...

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Somos todos “coxinhas”

No ano passado, um termo chamou-me a atenção pelo seu grande uso na verborragia brasileira em tempos de eleições. Era “coxinha” pra lá; “coxinha” pra cá; “são um bando de coxinhas”... Logo desconfiei que era algo muito além do típico salgado brasileiro recheado com frango, crocante por fora (quando bem feito, claro) e macio por dentro. Perguntava-me: “Coxinhas... Quem são? Como surgiram? Como vivem? São crocantes e macios também?”.

Já percebendo que se tratava de um termo com utilização pejorativa, ainda fui pesquisar no vasto mundo virtual para um certo aprofundamento, e li várias definições, mas, no geral, resumiria em pessoa “certinha”, conservadora, que gosta de seguir o que for definido como bons costumes no momento, geralmente possuindo um bom poder aquisitivo (uma classe média alta pra cima...), “mauricinhos” e “engomadinhos”... enfim, burguês.

E foi com essa ideia de burguês é que me veio uma reflexão: não seríamos todos burgueses (ou coxinhas)?

Sei que pode ser uma pergunta que generaliza, e que pode assustar e/ou indignar alguns... Concordo que é uma generalização, mas suspeito fortemente que o contexto serve a muito mais gente do que se imagina... E antes que me acusem, deixem-me que eu mesmo me inclua nessa massa (de coxinha).

Bom, antes de continuar, um parágrafo de breve História: os burgueses eram os cidadãos que habitavam os burgos, nome dado às cidades que surgiram na mais famosa Idade Média – a europeia, entre os séculos XI e XII – geralmente aos arredores dos castelos medievais, e por vezes cercadas por muros. Os burgos surgiram da necessidade de abrigar a grande massa de comerciantes e suas famílias, que crescia em número naquele período, devido ao intercâmbio entre o Oriente pós-Cruzadas e o Ocidente europeu. Com o tempo, formaram uma classe social e passaram a emergir como uma força política e econômica, tirando o poder da nobreza medieval (e até da Igreja que influenciava fortemente, na política e na economia). O maior objetivo dos burgueses: acumular bens... E assim, foram dando mais valor a quem tinha mais bens que outros; não importavam as qualidades, virtudes humanas que se poderia ter, mas sim o quanto se tinha ($$$$$) e o quão capacitado para produzir mais e mais se era.

Hoje, quando se fala em burguesia, associa-se a uma classe média alta ou rica, como já citado... Ou seja, os coxinhas... Mas também fiquei me perguntando: será que o que mais caracteriza os burgueses é o quanto de money se tem? Eu acredito que não. Acredito em uma mentalidade burguesa, que se reflete em um modo de agir, tendo mais ou menos dinheiro. Com mais, claro que fica mais evidente os comportamentos característicos dos “coxinhas”. Mas, quem pode garantir que os que têm menos não teriam os mesmos comportamentos se tivessem mais desse “$poder$”? Como diz um bom ditado: “Quer conhecer de verdade uma pessoa, dê poder a ela”.

Partindo do objetivo de acumular bens... em geral, não queremos fazer nossa poupança para um futuro melhor, seja para nós mesmos e/ou para os entes queridos? Ter casa, carro e qualquer outro bem? Levantamos cedo e vamos trabalhar para ganhar mais e mais, para se ter mais e mais... Queremos melhores salários ou lucros, trabalhando menos, para “curtir a vida”, seja ficando em casa assistindo TV ou viajando uma pequena viagem para Caldas Novas ou Pirenópolis; ou ainda para comprar o carro do ano, o celular mais tecnológico ou passear em Paris. Queremos a lei do menor esforço: ganhar mais e trabalhar menos... Uma forma de economizar energia... um tipo de acúmulo de bens, não?

Outra característica do burguês (o de lá da Idade Média...): viver do trabalho alheio. Não é isso que queremos? Ter mais dinheiro para obter, por exemplo, a comida pronta (seja para fazer em casa ou comer no restaurante), ou para pagar aquele serviço de diarista para ter minha casa limpa e minhas roupas lavadas e passadas? E não pode ser de qualquer jeito... tem que ser tudo bem feito, temos que ser bem atendidos, bem tratado, mimados... afinal de contas, “eu tô pagaaaando!”.

E já que “estamos pagando”, podemos fazer o que quisermos... Somos “livres” para experimentar tudo... Esta é uma outra mentalidade da burguesia: a liberdade em todos os sentidos. E podem pensar: “Ah, mas só quem pode fazer isso é quem tem dinheiro...” Relembro e repito: não é questão de ter ou não dinheiro, mas uma mentalidade. Fazemos isso em situações simples do cotidiano.

E para não se estender mais neste tema (por hoje), e como já citei, nos burgos o valor econômico de cada um passa a ter prioridade; o “ter” prevalece sobre o “ser”; o status social, a roupa de marca, o carro do momento, a tecnologia mais moderna são valorizados mais que o aspecto humano... E junto a isso, os relacionamentos (seja de amizade ou de família), a estrutura a vida política, nossos trabalhos, as expressões artísticas... são baseados em interesses, em o quanto podemos ganhar... seja em bens físicos ou em status... enfim... generalizações à parte, pobres ou ricos, que cada um faça sua própria reflexão: somos ou não somos “coxinhas”?

quarta-feira, 15 de julho de 2015

E o outro lado?

O ano é 2015, o planeta é a Terra e os problemas ainda são os mesmos, mas anabolizados pelo desenvolvimento das tecnologias da informação. Com a popularização da Internet e das redes sociais um velho problema do ser humano veio a se avultar: a dificuldade de conviver e assimilar a diferença.

Engana-se quem acha que estes problemas surgiram ou pioraram nos últimos tempos. Assim como se engana quem acha que as guerras ou das doenças se proliferam como nunca antes, bobagem, as guerras e as doenças hoje são muito menores e menos letais que há 50 anos. O que ocorre é que hoje se há um surto de ebola em uma aldeia da África, amanhã esta informação já terá chegado da Austrália ao Chile. Se há um massacre em um remoto povoado da Indonésia em poucas horas já haverá manchetes no New YorkTimes e no El País. 50 anos atrás, antes destas notícias se espalharem passavam-se dias, às vezes até alguns meses, e a situação já poderia estar resolvida. Assim, apenas coisas realmente grandes e impactantes valiam a pena ser mencionadas nos velhos jornais e revistas de papel. O mesmo acontece com a Torre de Babel que se tornaram as posturas ideológicas, ninguém se entende, mas ninguém nunca se entendeu muito bem mesmo.

Damo-nos conta das posições ideológicas e culturais muito diversas das nossas justamente por conta do intensivo uso das redes sociais e da forma como elas estão estruturadas. Uma pessoa comum tem entre 100 e 300 amigos em suas redes sociais (este número é bem achômetro, baseado nos amigos que são mais próximos e em alguma matéria que li faz muito tempo, na época do Orkut, que dizia algo por aí...). Dentro deste universo você tem colegas de trabalho e/ou faculdade, família, amigos antigos, dos tempos de escola, pessoas que teve um breve contato em uma viagem ou curso e eventualmente algumas amizades feitas pela Internet. Pois bem, nos tempos pré-redes sociais, você se encontraria com a maioria destas pessoas algumas poucas vezes, trocaria ideia com elas menos vezes ainda e talvez nunca soubesse o que boa parte pensa sobre cotas raciais, casamento homossexual ou corrupção no governo. Os seus amigos mais próximos, os quais você troca ideias constantemente, costumam ser mais próximos justamente por haver certa afinidade ideológica e/ou cultural. Ou seja, antes das redes sociais todos vivam mais ou menos em casulos, mantendo perto e debatendo apenas com quem tinha um pensamento mais ou menos parecido com o nosso; com o advento desta ferramenta passamos a travar contato diário com o que se passa na cabeça de pessoas que conhecemos, mas não temos tanta proximidade assim. E muitas vezes nos assombramos com como podemos ter ideias diferentes sobre o mundo.

Justamente ao travar este contato com opiniões tão divergentes que este defeito humano, a dificuldade de entender e aprender com o outro, toma proporções titânicas. Ao invés de, ao ter este contato, se colocar no lugar do outro, tentar entender as raízes daquele sistema de crenças, pensar se a ideia oposta é viável ou, não sendo, tentar refuta-la com suas próprias ideias. Ao invés de colocar duas ideias diferentes em perspectiva e tentar ampliar a visão de mundo, a maior parte das pessoas, na maior parte do tempo, reage como se o oposto fosse um inimigo, buscasse o mal e apenas o próprio beneficio o tempo todo. É neste momento que os argumentos ad hominem abundam. É neste momento que desconstruir a imagem do interlocutor parece muito mais viável e inteligente do que refutar o sistema de ideias dele. É, amiguinhos, acho que ver muito He-Man na infância pode ter amolecido nossos cérebros, e logo pensamos que quem não é um Guardião do Universo logo é um assecla do perverso Esqueleto.


Mas o mundo não tão preto e branco assim. E pode doer, mas quem acredita no socialismo, na maior parte das vezes está querendo construir um mundo melhor tanto quanto quem acredita no livre mercado. Quem é contra cotas raciais pode ser tão contra o racismo quanto os que acham correta esta forma de compensação histórica. Muitas pessoas que se posicionam a favor da flexibilização do aborto não são monstros apoiadores do infanticídio, apenas querem uma vida melhor para o conjunto da humanidade assim como os que são contra. A diferença é apenas o ponto de vista. Acredito de verdade que a maioria da humanidade é boa. Se não fosse assim, com 7 bilhões de seres humanos, o mundo já teria explodido muito tempo atrás.


Convido então, todos a fazer um exercício comigo, na próxima vez que vir uma opinião que lhe pareça muito divergente do seu sistema de crença, calce as sandálias da humildade, imbua-se  de um pouco mais de empatia que consegue utilizar e tente pensar como o outro. Tente entender de onde saiu aquela ideia, tente ver porque é tão dissonante com o que você acredita. Tenho certeza que, no mínimo, argumentos mais fortes para defender o seu ponto de vista você irá conseguir.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

O espécime

A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Pense nas infindáveis crueldades infringidas pelos habitantes de um canto desse pixel, nos quase imperceptíveis habitantes de um outro canto, o quão frequentemente seus mal-entendidos, o quanto sua ânsia por se matarem, e o quão fervorosamente eles se odeiam. Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, em sua gloria e triunfo, eles pudessem se tornar os mestres momentâneos de uma fração de um ponto. Nossas atitudes, nossa imaginaria auto-importancia, a ilusão de que temos uma posição privilegiada no Universo, é desafiada por esse pálido ponto de luz.

Carl Sagan - Pálido Ponto Azul
 

- Ola, Clementina!
A voz, embora doce, parecia sair de um rádio datado de 1920. Imerso nas sombras, o estranho fantasma de olhos brilhantes se esforçava para não assustar a garota. Ela vacilava entre ficar ou subir as escadas do porão abandonado correndo. "A assombração é mesmo real", ela pensou surpresa. Sentia medo, mas não ameaça. Ela manteve-se calada.

- Que dia é hoje? Em que ano estamos?
Disse a criatura nas sombras como se despertasse. Clementina não conseguia vê-lo direito, mas teve certeza que o ser se movera. Os móveis ao redor dele tremeram e se arrastaram. Ela deu um passo para trás e subiu um degrau. O coração galopava a mil por hora. Nenhum dos meninos tivera coragem de entrar, mas ela aceitou o desafio para provar que garotas são melhores. Decidiu não fugir imediatamente.

- 30 de abril de 1950.
Ela disse. Percebeu, então, que talvez a oportunidade de fugir tenha lhe escapado da sola dos pés, que responder a criatura foi seu maior erro, e que agora seria tarde demais. Os olhos amarelos se ergueram no escuro, e o movimento do suposto fantasma foi acompanhado pelo ruido de metal, ferrugem, correntes e coisas caindo ao redor. Ela subiu mais um degrau, mas estava hipnotizada. Fascinada. Seria mesmo um fantasma? Será que fantasmas existem Como ele sabia o nome dela?

- Obrigado. Estive te esperando por muitos anos. Desde que os donos da fazenda abandonaram esse lugar. Foi por causa da morte do filho. Isso aconteceu há quase 150 anos. Para minha sorte, ninguém mais veio morar aqui... Acho que julgaram o local mal assombrado... Mas ele voltará a ser abrigado daqui há alguns meses
- Isso foi muito tempo antes de eu nascer. Como você podia estar me esperando?
- Não quero te assustar Clementina, mas de onde eu venho, você é muito conhecida.
Aquilo soou estranho. Ela não estava assustada. Tinha medo, claro, mas estava muito mais curiosa. Principalmente diante da comprovação de que fantasmas poderiam mesmo existir. Os olhos amarelos, duas bolas distantes uma da outra, não pareciam humanos, mas também não pareciam amedrontadores.

- Você não está me assustando. Eu vim até aqui! Você acha que está me assustando porque sou uma menina? Nenhum garoto teve coragem de entrar aqui, se quer saber.

- Oh, não! De onde eu venho, as mulheres são, ou eram, tão valorizadas quanto os homens. Mas isso está no passado. Ao menos para mim.
Clementina teve uma mãe forte e tias inteligentes . Os homens da família, no entanto, é que ganhavam dinheiro e que davam a palavra final, mesmo que fosse uma estupidez. Ele, o fantasma, devia ter vindo de muito longe.

- Eu ouço seu coração também. Consigo ver reações do seu corpo que não poderiam ser medidas por vocês. Mas não te acho covarde, de qualquer forma. Você nem sabe o que sou, e ainda está aqui, conversando comigo. Poderia não ser uma ação inteligente, no entanto. Mas, para nossa sorte, acho que não é o caso. Eu poderia me levantar, poderia aparecer para você? Não vou te fazer mal, eu juro. É que estou há muito tempo nessa posição.
"Ele jura... interessante", ela pensou enquanto, de costas, subia mais um degrau.

- T... Tudo bem.
A luz fraca e alaranjada que entrava dos basculantes mostrava flocos de poeira flutuantes. Eles se agitaram quando o ser avançou. A menina arquejou. Com certeza ela fugiria, se pudesse, mas ficou paralisada, sem reação, dominada pelo medo. Entre as frestas de luz crepuscular ela viu uma estranha mistura do que seria, em sua imaginação, algo entre um disco-voador, um trator e um... gorila, por assim dizer. Uma forma gigante, com mais de meia tonelada, braços fortes como o de um símio, metalizados, cheios de fios e tubos. Ele sabia que ela estava terrificada, mas não pode evitar exercitar as juntas.

- Eu tinha medo de acordar e você não estar aqui, como previsto. Você deve estar se perguntando como pude prever isto. Bem, não previ na verdade. Apenas lemos no seu diário. Haha! Me desculpe! Estou me adiantando um pouco. Ainda estou confuso com tantos anos dormindo. E viagem no tempo não é lá uma ciência muito precisa...
Quando o estranho ser olhou novamente, ela havia partido. Ele suspirou, voltou para o canto e, mais uma vez, começou a dormir. No dia seguinte, no entanto, despertou com a garota sobre o seu corpo. Ele não se moveu, mas ela recuou com agilidade até a porta ao ver que os olhos amarelos estavam acesos novamente. Ela parou exatamente no mesmo lugar, no pé da escada, preparada para fugir. Embora não tivesse feições, o tom de voz da "assombração" sugeria um sorriso.

- Ok, Clementina, você me pegou. Eu sou mesmo uma assombração... Mas não uma assombração do passado, como nos seus filmes. Sou uma sombra do futuro... De um futuro que poderia ser maravilhoso se os humanos ainda estivessem lá. Eu tenho uma missão para você...
Ela permaneceu parada e em silêncio por uns instantes, depois sentou-se no primeiro degrau e sorriu.

- Eu tenho 12 anos, sabe? E gosto muito de ler e estudar. Mas as pessoas acham que não serei ninguém. Só uma mãe e dona de casa. O que eu mais gosto é de matemática e de observar o espaço com meu avô. Minha tia não pode ter filhos, sabe? Ela ficou feliz quando vim com o meu pai morar com ela e meu avô, embora tenha sido por um motivo trágico. Eu gosto de um menino. O nome dele é Anderson. O pai dele é fazendeiro, como meu avô. Se bem que meu avô não é um tipo comum de fazendeiro. É mais como se fosse um hobby. Ele gosta mesmo é de olhar para o céu... para os planetas, sabe? Eu beijei Anderson na boca, mas agora não quero mais vê-lo. Ele estava do lado dos outros garotos que disseram que só servimos para cuidar da casa e das crianças...
Ela falou durante quase duas horas. Sem parar sequer para tomar fôlego. Com um misto de tédio e ternura, a criatura ouviu a história silenciosamente. Depois que ela terminou de falar, ele finalmente se apresentou.

-Coincidentemente, meu nome é Anderson.
- Muito prazer. Eu sou a Clementina.
- Eu sei quem é você.
- Sim, mas ainda não me apresentei a você.
- Você tem um ponto.
- Você é algum tipo de bicho?
- Acho que não.
- Você é vivo?
- De certa forma, sim, mas não como você.
- Como, então?
- Bem eu não sou uma forma de vida orgânica, para resumir, como você, os animais, insetos e plantas. Mas eu sou vivo. Sou uma inteligência artificial. Houve um momento, na história da humanidade, chamado de singularidade. Em linhas gerais, para te explicar, foi o momento em que os computadores passaram a pensar por si só se criarem e recriarem, cada vez melhores. Muita gente teve medo de uma guerra, e fomos até atacados algumas vezes. Uma coisa que aconteceu muitas vezes antes, entre os próprios humanos, de alguém ser atacado por medo. Acontece nesse exato momento, na África do Sul, por exemplo...
- Vocês foram atacados e não revidaram?
- Não foi necessário. Ocorreu uma grande catástrofe e pudemos ajudar os humanos. Em conjunto, conseguimos impedir o fim da humanidade por um tempo. Mas após alguns séculos, as consequências da exploração irresponsável da Terra e as consequências dessa catástrofe tornaram o planeta um lugar inóspito para as outras formas de vida.
- E de onde você vem?
- Do ano 2700.
- Hã... Nossa...
- Parece distante, mas não é. Acredite.
- Ahã...
- Por isso viemos para o passado. Para tentar evitar ao menos uma parte as perdas.
- E essa seria a minha missão?
- Pode se dizer que sim. Você será a portadora da Luz. Já ouviu essa história?
- Não.
- Bem... Não vou me alongar contando coisas desnecessárias. Basicamente, sua missão será portar um conhecimento importante para a humanidade para que ele sobreviva ao tempo.
- E como eu farei isso? Eu não gosto de ser chamada de criança. Você está me dando uma responsabilidade grande, e isso é bem empolgante. E eu posso vir aqui com uma frequência, se as pessoas não perceberem. Mas a maioria dos adultos me vê como uma criança inútil e não posso ir muito longe e nem por muito tempo. Além disso, por mais que você me diga que o ano de 2700 não é distante, bem para mim é. Tenho certeza de que não viverei até lá.
- Vai ser simples. Prometo. Preciso voltar para o meu tempo e isso ocorrerá daqui há alguns dias.
- Certo. Qual a minha missão?
- Que dia você pode voltar?
- Depois de amanhã, acho...
- Dará tempo. Sua primeira missão será trazer seu diário. Vou te instruir e ditar alguns cálculos que você não vai entender, mas talvez entenda no futuro. Ou outra pessoa consiga entendê-lo.
- Como você sabe que entenderei?
- Bem, eu não posso dizer. Se eu falar demais, posso mudar sua forma de viver a vida. Então toda a missão irá por água abaixo. Precisarei que você acredite em mim. Mesmo sem provas.
- Minha tia chama isso de fé.
- Podemos chamar assim, se você preferir.
http://idcondenados.forumeiros.com/t20-casa-abandonada

A menina levou quatro dias para conseguir voltar. Eles passaram muito tempo juntos. O robô ditou o texto e os cálculos e depois eles conversaram sobre a importância de pensar no futuro, no bem da Terra e de todas as espécies. Sobre como o valor da vida não diferia entre um humano ou um broto de feijão e como nada disso existia no lugar de onde Anderson veio.

- Mesmo que nada disso acontecesse e os homens soubessem viver em harmonia com o Planeta, sem matá-lo, um dia a Terra também chegaria ao fim. Então, vocês vão precisar de explorar o espaço, o mais longe que a humanidade seria capaz de ir, em busca de novos lares, a começar pelo sistema solar. E os cálculos que eu te passei... Agora... Agora você não pode escrever isso que vou te falar. Me prometa.
- Eu juro.
- E me prometa que guardará muito bem o seu diário, pois precisaremos encontrá-lo no futuro.
- Eu já faço isso. É meu diário. Tem coisas que ninguém pode ler aqui.
- Acharia desonesto com você se eu não te contasse o que são esses cálculos. Eles unem o que hoje vocês chamam de relatividade, que será bem diferente no futuro, com a física quântica, que também terá, inclusive, outro nome. Nós conseguimos isso sem os humanos e foi o que me permitiu voltar aqui. E isso permitirá o desenvolvimento de tecnologias para reverter parcialmente, adiar e, finalmente, preparar a humanidade para deixar a Terra, lado a lado com a minha espécie. Engraçado como uns poucos números e sinais podem mudar a história do Planeta. Se os homens soubessem isso antes, se soubessem de verdade...

Após o breve devaneio, a criatura silenciou. Olhou para Clementina e ela teve certeza de ver ternura e esperança naqueles olhos amarelos. Houve um clarão e ela desmaiou. Acordou no dia seguinte. Anderson a encontrara. Ela pegou o caderno e nunca mais voltou à casa assombrada. Também não contou para ninguém o que aconteceu. Mas nunca se esqueceu da voz doce e permissiva que lhe entregou a chave para o amanhã. Em 2010, aos 72 anos, Clementina Sacramento concluiu o último de seus trabalhos de física, mas morreu antes de entregá-los à universidade em que lecionava. Cientistas demoraram a ter acesso às descobertas da incrível mulher. As teorias que ela formulou, muito à frente do próprio tempo, ajudaram a humanidade alguns séculos depois e ela se tornou uma cientista renomada, no mesmo nível que um Albert Einstein ou um Isaac Newton, laureada em todas os centros de pensar do mundo. O que os historiadores não entenderam foi como, aos 12 anos, ela descreveu em seu diário de menina a mais importante das equações da física. Não fazia sentido.

Antes de morrer, Com os cabelos grisalhos e o rosto marcado por rugas, inconsciente, entubada, irreconhecível, presa a uma cama de hospital, em um momento de inconsciente lucidez, ela sonhou que Anderson, o fantasma, estava lá com ela. "Se vocês conseguiram chegar tão longe, porque voltar no tempo e salvar os humanos? Somos criaturas, as vezes, tão mesquinhas e decepcionantes. Esse é, na verdade, o único mistério que me instiga", ela questionou. "Nós fizemos isso porque podíamos", ele respondeu. Então, tudo se apagou para todo o sempre.


* Conto inspirado no livro Ismael, de Daniel Quinn.

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Sonhos moribundos

Um grande cortejo fúnebre caminha vagarosamente pelo espaço indefinido; a multidão, lúgubre, acompanha o cortejo com os olhos cheios de lágrimas. Ninguém sabe ao certo quem está dentro do caixão, ninguém está realmente triste, mas todos sentem um enorme vazio no fundo de suas almas.


É com esta pequena imagem metafórica que gostaria de começar o colóquio desta quarta. Acho que induz muito do sentimento coletivo que o Brasil, e mesmo o mundo, vem experimentando. O olhar coletivo tem algo de vacilante, quando nos atrevemos a tentar olhar para frente, parece cada vez mais se espessar uma neblina de pesar e incerteza.

Os jornais são unânimes em afirmar que grandes líderes são uma espécie em extinção, hoje é difícil apontar um líder da envergadura de um Gandhi, de um Winston Churchill, de um Martin Luther King Jr. ou de um Juscelino Kubitschek. Faço um pequeno parêntese para esclarecer que não coloco todas estas figuras em um mesmo pedestal; tenho minhas reservas, a uns mais que a outros. No entanto, é inegável que eles tinham um poder de liderança enorme! Não sei muito bem apontar quando esta extinção começou, e nem me proponho a tanto. Minha intenção aqui é apenas a catarse desde sentimento que tenho que perdemos nossa capacidade de Sonhar enquanto Humanidade.

Antes de procurar grandes líderes precisamos examinar as características que estes homens e mulheres costumam exibir. São pessoas que conseguem levar seus pares a os verem como pares, isto é, sem exibir uma suposta superioridade pavoneada por muitas regalias. Estes líderes costumam ter enorme empatia, sabem como as massas se sentem e conseguem fazer com que as massas se sintam como eles. Outro ponto bastante comum é o apreço à cultura. Apreço à cultura humanística, gosto em ler clássicos da literatura, em saber até onde a ciência conseguiu avançar e quais os desafios presentes, apreciar arte cênica e plástica, enfim sorver tudo que a evolução cultural da humanidade tem a oferecer. Sentem-se partícipes desta humanidade e pretendem contribuir para que ela continue a produzir belas pérolas como vem fazendo há milênios. O que estes homens nos apresentam é seu projeto, seu sonho, para os próximos passos da humanidade. E sonhando juntos grandes grupos sociais vão construindo o arcabouço que nos trouxe à era da Internet, da menor taxa de mortalidade infantil de todos os tempos, da longevidade, à era que está buscando conhecer e entender os recônditos do espaço.

O simples fato de falar destas coisas parece ascender uma chama de desejo de vivenciar e construir estas coisas. Mas o que vejo, ouço e percebo hoje é uma enorme massa de pessoas que se lixam para a construção do VLT (Very Large Telescope), pouco se importam com quem foi ou o que escreveu Machado de Assis, não querem saber do famoso discurso de Martin Luther King, “I have a dream”, e Picasso ou Leonardo da Vinci são meros nomes que pintores, não diferenciariam a obras de um ou de outro. Outra parcela, esta menor, retira um pouco da cabeça da completa ignorância da cultura, mas está tão comprometida com a própria causa, aquela que lhe aperta o calcanhar, que se esquece de que este é um problema da humanidade, e o sonho da construção de uma sociedade melhor é esquecido em detrimento de se retirar aquela pedra que o incomoda. Pessoas são feridas e esquecidas, todos os que não concordam 100% com suas visões de mundo são inimigos e perversos. Há ainda mais outra pequena parcela, que até se importa, que até vê o todo, mas que está ocupada demais com os infinitos estímulos que o mundo lhe oferece. Assim não sobra muita gente a sonhar com o próximo passo para a humanidade. Infelizmente posso afirmar com tristeza. Hoje conheço poucos homens que sonham.




"Nos últimos dias, consegui ver a minha vida como a partir de uma grande altitude, como um tipo de paisagem, e com uma sensação cada vez mais profunda de conexão entre todas as suas partes. Isso não quer dizer que terminei de viver.
Pelo contrário, eu me sinto intensamente vivo, e quero e espero, nesse tempo que me resta, aprofundar minhas amizades, dizer adeus àqueles que amo, escrever mais, viajar se eu tiver a força, e alcançar novos níveis de entendimento e discernimento."
quando este descobriu que o câncer que 
tinha estava em estado terminal) 

segunda-feira, 6 de julho de 2015

A ficção científica e a chave para o real

http://cienciahoje.uol.com.br/blogues/bussola/2014/11/2014-uma-odisseia-no-espaco-tempo

No documentário Capitalismo, uma história de amor, Michael Moore dá início ao filme de forma magistral, com uma série de cenas de assaltos e um documentário antigo da Enciclopédia Britânica sobre a vida na Roma Antiga (!?). "Roma era a mais bela cidade do mundo antigo", começa o narrador. Em seguida, ele fala sobre como a fachada de grandeza escondia "sementes de decadência". A medida que o narrador avança, Moore intercala as cenas de Roma com imagens dos Estados Unidos. Se você não viu, brinque de imaginar. Se já viu, tente adaptá-las ao seu país, à sua realidade. Economia dependente de escravos, disparidade entre ricos e pobres, proliferação de favelas, pouca mobilidade social, entretenimento para divertir a população (corridas e lutas!), ditaduras, funções de um governo eleito pelo povo que esbarram em autoridades superiores, governantes irresponsáveis...

"Pergunto-me como nossa sociedade será vista no futuro. Nós seremos julgados por isso?", questiona nosso querido Michael assim que a introdução da Enciclopédia Britânica chega ao fim. Não vim aqui para falar de capitalismo. Vim para falar de um tema que ocupa um grande espaço da minha mente há muitos anos: a ficção científica, ou, se preferirem, o sci-fi! O que Moore faz, basicamente, é mostrar que os sinais de decadência da Roma Antiga estão bem claros na nossa sociedade. Os problemas amplamente estudados do passado se repetem em um mundo, muitos concordarão, em decadência. O documentário faz uma crítica ao Império Romano. Nossa cara pensar naqueles povos de antigamente, tão inferiores. Mas o que seremos daqui há cem anos? O que os documentários da Enciclopédia Lestásia dirão sobre esse povo rústico nas telas de uma televisão diferente da que conhecemos hoje, projetada por um equipamento pequeno sobre um aparador, por sua vez, não tão diferente dos que vemos hoje? Eles dirão: "Hail to the big brother!".

Quando Moore coloca nossa sociedade submissa aos julgamentos de um povo do futuro, ele quase faz uma concessão à ficção científica que emerge das nossas imaginações. No livro O Mundo de Sofia, Jostein Gaarder faz um desafio. Imagine uma coisa que nunca existiu! Imagine agora! Você não precisa. Ela nunca existiu. Tudo o que imaginamos, do mais absurdo e perturbador ao mais trivial, por mais inédito que seja, é feito com base em referências do que conhecemos. A terrível face de Cutulo nada mais é que a mistura de um elefante e de uma lula? Possivelmente. Assim é o futuro tal qual imaginamos. Projeções e misturas de nosso presente e passado. Desnecessário dizer que a ficção científica apresenta variados cenários? Nem tanto. Não precisa ser necessariamente sobre o futuro, por exemplo. Pode ser um "passado" mais avançado que o nosso. Isso é perfeitamente possível. A Europa retrocedeu no tempo após a queda do Império Romano. O Islã radical, hoje, também nos ameaça com um retorno forçado à tempos de barbárie. E levamos muito tempo para reaprender como levar as pedras das pirâmides sobre a fofa areia do deserto.

Podemos falar de um presente que se mescla, de alguma forma, com o futuro. Nos filmes de invasão alienígena, o ser humano precisa desenvolver ou compreender e dominar a tecnologia intergalática. Seja para vencer a ameaça, seja para fins pessoais, como aconteceu em Distrito 9, do genial Neil Blomkamp. Na trama, os humanos promovem um apartheid aos camarões. A história faz referência a uma condição humana e a um momento político cruel da nossa história, e ainda traz à tona reflexões sobre A Metamorfose de Kafka (não vou colocar link aqui, apenas para obrigá-lo a procurar o livro por conta própria, se ainda não tiver lido). Outro cenário, o futuro próximo ou distante também nos coloca em uma posição diferente, para enxergarmos outro ângulo da caixa na qual estamos presos. As obras de Philip k. Dick, que inspiraram clássicos do cinema como Blade Runner e O Vingador do Futuro são muito boas em levar os seres humanos para a degradante situação de colonos, por exemplo, e a lidar com problemas criados a partir de soluções pensadas à curto prazo (Bin Laden, é você?). E o grande mestre da ficção científica, o bom doutor Isaak Asimoov (achou que eu não fosse falar dele, não é?) vai além quando, na trilogia Fundação, mostra uma humanidade em vias de se deteriorar, e que sequer se lembra do passado em uma onírica Terra (nada a ver com a nossa história!).

Há na ficção científica a fina poesia do presente. A realidade é o óleo viscoso que banha as engrenagens da máquina do tempo. O portal interdimensional que transporta a imaginação ao nosso mundo, que se abre quando apertamos o play ou abrimos um velho livro sobre o amanhã que estava empoeirado nas nossas estantes. As mentes mais simplórias tomam a pílula da iniciação científica. O que eu quero dizer é que com um pouco de imaginação, podemos chacoalhar a caixa para descobrir o que há lá dentro. Podemos entrar na toca do coelho. Se o objeto se arrasta ou se rola. Se faz barulhos estridentes ou graves. A ficção científica nos traz a oportunidade de olhar diferente, de mudar as nossas perspectivas para compreender o presente, para evitar os erros do passado e para sonhar com dias melhores, de modo a alcançar esses sonhos. Se vivemos, hoje, tempos comparáveis ao do declínio e queda do Império Romano, como serão os tempos vindouros? O que perderemos nos giros para trás desse terrível construto chamado História? Logo agora, que estamos tão perto de uma nova fase de exploração do espaço!

As religiões brigam entre si pelo monopólio da origem dos homens. Mas a verdade está lá fora.  Enquanto guerreamos por fantasias e linhas imaginárias chamadas de fronteiras, "na adolescência da humanidade", como diria a radioastrônoma Eleanor Arroway, o espaço frio e fantástico nos aguarda. O mundo é fabuloso em si. A Terra é pequena demais para ambições tão mundanas quanto as da nossa sociedade, mas é a base perfeita para nos lançarmos ao espaço, ao futuro, ao amanhã. Basta que estejamos unidos. Impossível não lembrar Carl Sagan, quando o cientista e divulgador olha para o ser humano com esperança. “Nós que não conseguimos nem colocar nosso próprio lar planetário em ordem, divididos por rivalidades e ódios, havemos de nos aventurar no espaço afora? Quando estivermos prontos para morar no mais próximo dos sistemas solares, teremos mudado. Não seremos nós que alcançaremos Alpha Centauri. Será uma espécie muito parecida conosco, porém com mais de nossas forças e menos de nossas fraquezas. Mais confiante, visionária, capaz e prudente.” Pense em espécie.

Até o amanhã...