Pode parecer estranho mas, muito mais que uma mera relação de interesses, o Brasil parece viver uma ardente relação amorosa com a política. Digo isso não apenas para contestar o já tradicional discurso de alienação política do brasileiro, mas por ser a única resposta plausível para explicar o comportamento da brava gente brasileira. Que outra coisa, que não os sentimentos mais aflorados e irracionais, tal como uma arrebatadora paixão, poderia explicar como a maior parte da nação se engalfinha em apontar os erros do adversário enquanto tanto uns quanto os outros estão todos de mãos dadas na enorme crise econômica e política que está apenas começando?
Buscar soluções costuma ser coisa
que casais apaixonados deixam para fazer apenas quando a relação está muito
muito perto do fim. Antes disso, o casal apaixonado sempre vai despejar os
ciúmes e as mágoas no outro; sempre vai ter de lembrar ao outro daquela data
especial que ele esqueceu ou jogar na cara os sacrifícios que lhe são pedidos
para aturar a velha tia chata nas festas de família. O problema deste
comportamento entre casais apaixonados é que, muitas vezes, a paixão acaba
antes que as soluções sequer comecem a ser procuradas. Assim, o sentimento, que
fazia a coisa ser tão intensa, bloqueou tanto a razão que o próprio sentimento
se consumiu, feito uma vela de palha que pode queimar intensamente por alguns
segundos. Relações menos apaixonadas de início tendem mais a se fortalecer e
crescer, como uma vela de sebo, que pode queimar com um chama forte e constante
por vários dias seguidos. O segredo destas relações é que, junto a toda paixão,
se dilui um pouco de razão, e ao menor sinal de desgastes o casal senta,
conversa e acha soluções aprazíveis para os dois.
Agora vamos falar de ajuste
fiscal: de um lado, o governo é obrigado a fazer ajustes para estancar as
contas públicas; do outro a oposição, que na eleição havia sido até mais
sincera e dito que medidas de ajuste teriam de ser adotadas, critica o governo
por supostamente retirar direitos dos trabalhadores. Neste ponto, falta
sinceridade à oposição; realmente, a maior parte do ajuste proposto foi de
correções de distorções, ou alguém aí acha realmente justo um(a) viúvo(a) de vinte
e poucos anos ficar recebendo pensão do Estado para sempre? Os casos do seguro
desemprego também estavam bastante alarmantes, com os gastos do seguro subindo
mesmo com o desemprego baixo e estável. Posso dizer que conheço mais de uma
pessoa que já fez acordo com a firma para ser demitida, continuar trabalhando e
recebendo o seguro desemprego. O que a oposição não atacou: existem outras
várias distorções para cima que não foram tocadas: as aposentadorias e pensões
de alto escalão são absurdas, tanto no tempo para fazer jus a elas quanto nos
valores. A “punição” a juízes com aposentadoria. A farra dos auxílios moradia.
Além de todos os infinitos benefícios de altos escalões. O governo cometeu um
erro crasso ao não cortar (mesmo que os valores finais de economia não fossem
tão altos) na carne, nos altos escalões, em primeiro lugar. Desde novos
aprendemos com o exemplo, se nossos pais ou professores fazem algo ou deixam de
fazer tendemos a imitá-los. O “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”
nunca colou. Houvesse seguido este caminho teria como se defender e dizer que
estava fazendo mudanças estruturais e não apenas apertando para quem está abaixo.
Que governo e oposição não queiram trazer com firmeza essas discussões à tona
entende-se. O alarmante é ver a sociedade comprando o discurso de “impeachment”
de um lado e “golpe” do outro.
Outro ponto debatido em campanha,
e que depois morreu e não tomou rumo de um amplo debate nacional: o número de
ministérios. Quando se atacava os quase 40 Ministérios em campanha o governo
sempre retrucava: “quais os Ministérios seriam cortados em seu governo?” e isto
bastava para afugentar as críticas. É como se o candidato citasse o Ministério
do Esporte isto representasse que ele não daria fomento ao esporte no país. A
eficiência das estruturas e políticas dificilmente eram descoladas. Sempre
pensei que a esgrimista brasileira Cléia Guilhon (já que o governo não ajuda, entre no link e dê uma força a essa atleta fantástica!) preferiria uma Secretária do
Esporte ligada ao Ministério da Cultura ou Educação, que fizesse uma política
de dar espaço a atletas de alto nível em universidades e os levasse para
competir em alto nível em campeonatos internacionais, do que ter um Ministério
do Esporte que paga uma bolsa atleta com valores que mal dão para arcar com as
despesas de treinamento dela e ponto final. Outra vez as pessoas tomam posições
de “mais Estado” ou “Estado menor” e todo mundo esquece que este tamanho não
tem absolutamente nada a ver com a eficiência e eficácia da máquina estatal.
Por fim, gostaria de rememorar asaudosa CPMF: foi implementada no governo tucano a despeito da oposição petista,
que bradava que o brasileiro não aguentava mais impostos. Caiu no governo Lula,
com os tucanos atacando e não deixando que a contribuição se tornasse imposto
regulamentar, pois o brasileira não aguentava mais impostos, os petistas agora
como governo argumentavam que a saúde precisava deste imposto, e que ele era ,
mais justo, pois quem movimentava mais dinheiro pagava mais. Enfim, quem era
governo queria o imposto, quem era oposição ia contra. Assim ninguém parecia
preocupado em ter uma postura ideológica sobre se é uma forma eficiente de se
cobrar imposto ou não, mas se eu posso arrecadar mais no meu governo ou impedir
que o outro arrecade. Da mesma forma, tivemos apaixonados endossando os
posicionamentos de oposição e governo em ambas as ocasiões (ainda na tentativa
de voltar com esse imposto no governo Dilma 1).
Com a crise que nos bate à porta
só posso ver uma saída para o Brasil não convulsionar e retroceder em muitos
pontos avançados nos nossos quase 30 anos de democracia: deixar a paixão pelo
lado político de lado, deixar os mais altos sonhos esperarem um pouco, e todos
juntos procurar soluções aplicáveis e eficientes, independente da coloração política. Antes que tenhamos que
procurar outro par para nos apaixonar.
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