A
vida é uma brincadeira. Uma grande sacanagem. Nossa sociedade só tem
valor porque acreditamos nisso. Criamos uma peça de teatro e passamos a
pensar que ela é real. Nessa peça, uma grande tragicomédia, temos medo
da cortina e lutamos por um lugar na coxia, mesmo que não saibamos, na
verdade, o que existe lá.
Como em uma ciranda, os personagens, nós mesmos, saltamos de um grupo
para outro, invertendo e revertendo fatos e destinos. Uns saem de cena
para muitos outros entrarem. E os máscarados caem pelas bordas do palco e
imaginam que são platéia enquanto julgam, sem saber que participam, dos
atos absurdos que se deesenvolvem. Parece-me, de onde enxergo, que o o
poeta e revolucionário Ernst Toller elaborou o enredo do espetáculo. Ele
disse que a humanidade é uma grande roda que "as vezes anda pra frente,
ninguém sabe pra onde, e as vezes para trás, ninguém sabe porque".
Dinheiro,
democracia, votos, religião, fronteiras, nada disso tem valor em si.
Inventamos isso e transformamos em verdade absoluta para sustentar nossa
imbecilidade. Nossa requentada e mal temperada existência, repleta de
potenciais e tão abaixo da linha da mediocridade, sustentada por pilares
de vento, é a impressão na areia daquilo que nós criamos e acreditamos.
Temos pernas longas, mas damos passos de formiga. Coroamos tiranos e
nos curvamos aos pés deles. Elegemos ditadores para que nos torturem. A
custa de mortes, muitas, conseguimos depô-los, e somos heróis. Tudo
isso em uma brincadeira de criança que se tornou longa, perigosa e
enfadonha. Erguemos e demolimos castelos sem fim, sem perceber que tanto
cenário, quanto roteiro estão sob nossos plenos poderes. Somos muitos,
mais fortes, mas não segundo as regras da peça, regras que nós mesmos
inventamos.
Seria
bom, as vezes, só pra variar, subir em algum lugar alto, ver a cidade, o
céu, e pensar no que é importante de verdade. O que vale a pena
desenvolver e evoluir nas susseções de gerações. Quais sacrifícios
ergueriam o homem, o mundo e a natureza além dos patamares
subdesenvolvidos da nossa história. Vale a pena se prender à divindades
passageiras, mesmo que elas durem dois ou três milhares de anos? Vale a
pena deixar de buscar respostas para manter o status quo? Vale a
pena tapar os ouvidos para conservar os próprios paradigmas, nunca mudar
de idéia? Vale a pena se agarrar ferrenho ao mastro em um naufrágio e
gritar que "o navio não está afundando"? Somos caçadores e coletores
brincando de saber. Perigosamente, ao menos parte desse saber é
verdadeiro o suficiente para interromper o espetáculo em uma única cena,
antes do fim do ato, e deixar a peça inconclusa. Sentados com nossos
traseiros bexiguentos em grandes almofadas, cobrimos nossas frieiras e
assaduras em nome da comodidade da mesma dor. Ninguém tem coragem de
dizer que o rei está nu.
O comediante Bill Hicks entendeu o problema. Ele dizia que o mundo é como o passeio em um parque de diversões.
"E quando você opta por ir nele você acha que é real, porque as nossas
mentes são poderosas assim. O passeio vai para cima e para baixo, ao
redor e ao redor, tem emoções e calafrios, e é muito colorido, e é muito
barulhento, e é divertido… por um tempo". Até nos pergunarmos, de
repente, se é tudo real, ou estamos apenas passeando. Então, alguém nos
diz para não nos preocuparmos, pois é apenas um passeio. "E nós? Matamos
essas pessoas." É exagero? Socrates, Hipatia, Giordano Bruno, Martin
Luther King, Olga Benária, Che Guevara, Mahatma Gandhi, apenas para
citar aqueles que foram assassinados de modo literal. Ainda existem
tantos outros, banidos, presos, silenciados ou anônimos que levaram
consigo as chaves das portas do teatro-caverna, que levaram consigo a
nossa liberdade.
Bill
Hicks nos lembra que, apesar de tudo, ainda é só um passeio. "E nós
podemos mudá-lo a qualquer momento que quisermos. É apenas uma
escolha. Sem esforço, sem trabalho, sem emprego, sem economia de
dinheiro. Apenas uma escolha simples, agora, entre o medo e o amor." O
cientista e divulgador científico Carl Sagan, no Pálido Ponto Azul,
lembra que tudo o que já passamos em nossa longa e sangrenta história,
aconteceu em um ponto minúsculo e insignificante no Universo. Ele fala
sobre a Terra, vista de longe, nosso lar, "um grão de poeira". "Nele,
todos que você ama, todos que
você conhece, todos de quem você já ouviu falar, todo ser humano que já
existiu, viveram suas vidas. A totalidade de nossas alegrias e
sofrimentos, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas,
cada caçador e saqueador, cada herói e covarde, cada criador e
destruidor da civilização, cada rei e plebeu, cada casal apaixonado,
cada mãe e pai, cada crianças esperançosas, inventores e exploradores,
cada educador, cada político corrupto, cada 'superstar', cada 'lider
supremo', cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu ali,
em um grão de poeira suspenso em um raio de sol."
Não
é uma idéia pioneira, não é uma percepção original. Está bem debaixo de
nossos narizes. O óvio, como eu sempre digo, é invisível aos olhos.
Passeamos em um grande parque de diversões. Vivemos um teatro. Um grande
espetáculo. Se existe um deus, deve ser Samuel Beckett. Pois, ao invés
de simplesmente mudarmos as regras da brincadeira, esperamos Godot. E se
resolvêssemos os nossos problemas e fôssemos explorar o espaço, nos
debruçar minunciosamente sobre as questões fundamentais da vida? Utopia?
Não me fale em utopia quando vivemos uma ilusão.
A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica.
Pense nas infindáveis crueldades infringidas pelos habitantes de um
canto desse pixel, nos quase imperceptíveis habitantes de um outro canto,
o quão frequentemente seus mal-entendidos, o quanto sua ânsia
por se matarem, e o quão fervorosamente eles se odeiam.
Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles
generais e imperadores, para que, em sua gloria e triunfo,
eles pudessem se tornar os mestres momentâneos de uma
fração de um ponto. Nossas atitudes, nossa imaginaria auto-importancia,
a ilusão de que temos uma posição privilegiada no Universo,
é desafiada por esse pálido ponto de luz.
Carl Sagan
"Aqui está o que podemos fazer para mudar o mundo, agora,
para um passeio
melhor: pegue todo o dinheiro que gastamos em armas
e defesas a cada
ano e, e vamos gastar em alimentação e vestuário e educar os
pobres do
mundo, o que vale muitas vezes mais, não deixar nem um humano ser
excluído,
e podemos explorar o espaço, juntos, o interno e externo, para
sempre e em paz."
Bill Hicks
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