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Todas as segundas, quartas e sextas um artigo quentinho com opiniões aleatórias, questionamentos socráticos e visões confusas de mundo!

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Dias de um futuro esquecido

Algum tempo atrás, eu conversava com o amigo-confidente Luiz Calcagno sobre uma teoria minha, meio maluca, a de que tenho a forte impressão que os últimos anos parecem ser uma continuação direta dos anos 80; como se boa parte dos anos 90 e 2000 tivessem sido apenas um sonho de estabilidade e desenvolvimento pacífico, mas que acabou abruptamente e nos vemos novamente às voltas com os antigos problemas. Depois de eu explicar pra ele, pode até ser que não tenha concordado, mas ao menos desistiu de me levar para o sanatório.

Tentarei então usar este espaço para construir essa minha teoria e aferir o grau de insanidade dela. O primeiro gatilho que me fez começar a ter tal “teoria” foi o noticiário internacional: a crise da Ucrânia meio que jogou a guerra fria de volta ao radar. Não há mais um hiato de duas semanas sem que uma declaração de Obama não tenha uma réplica dura de Putin e vice-versa. Lentamente toda uma geração, a que nasceu a partir de 92, começa a tomar contato com um medo que todos nós da geração de 80 para trás tinha bem vivida durante a infância e juventude: e se alguém apertar um certo botão vermelho (para os mais velhos não é preciso nem terminar a frase, pois certamente já estão imaginando um general disparando uma bomba atômica) e iniciar uma guerra nuclear?

Esse medo esteve presente fortemente por duas ou três décadas na humanidade, dos anos 60 aos 80, mas aí, no começo dos anos 90, a URSS se retirou do mapa, e os russos começaram discursos e tratados de aproximação. Todo mundo passou os anos 90 em festa. Vieram os 2000 e veio o medo dos terroristas, com o 11/9. Mas tudo bem, eles não eram um Estado, não era um povo contra outro, mas uma multidão de lunáticos que todo o mundo civilizado condenava. Não era o mundo civilizado lutando entre si.

Então veio a crise econômica de 2008. O mundo ficou menos estável, os recursos mais disputados, a Rússia quis continuar crescendo como vinham fazendo os países dos BRICS. O palco acabou sendo as ruas de Kiev e os atores a União Europeia e a Rússia. A Rússia agiu rápido, pegou um naco estratégico do território ucraniano - a Criméia - e a chapa esquentou. Desde então, um tema que havia ficado no comecinho dos anos 90 voltou à pauta: EUA e Ocidente contra o apetite russo; ou seja, Guerra Fria.


Nos anos 80 também havia um medo muito recorrente além da guerra atômica: a AIDS! Não foram poucas as personalidades de grande destaque ceifadas por esta inclemente síndrome: Renato Russo, Isaac AsimovCazuza, Freddie Mercury, Rock Hudson, Micahel FoucaultMagic Johnson  (sendo que apenas o último sobrevive até hoje à doença, porém teve a carreira abreviada pela doença) e mais uma pá de gente. Todos estes casos deram uma refreada na revolução sexual, iniciada nos anos 60, e que chegou aos anos 80 como uma charrete queperdeu o condutor. Hoje ainda não temos um grande astro como medo sanitário, mas temos fortes concorrentes: MERS, SARS, H1N1, Ebola. A revolução sexual, com todos os seus prós e contras, teve novo impulso com a evolução no tratamento da AIDS, que hoje não é mais sentença de morte. No princípio dos anos 90 fazer sexo começou a ter alguns empecilhos e foi sendo uma prática um pouco mais ponderada, hoje estamos voltando à liberdade dos princípios dos anos 80.

Acompanhando o clima de volta da guerra fria, os posicionamentos políticos parecem ter voltado também a uma polarização esquerda x direita, que parecia ter sido dissipada tanto pelo fracasso do socialismo quanto pela falência do capitalismo selvagem que contabiliza em quase simétrica escala números em contas bancárias e mortes violentas. A social democracia baseada em esquemas europeus tentou florescer. Mas, de novo, a crise econômica de 2008 parece ter emperrado a coisa. O que vemos, não só no Brasil nas últimas eleições (na verdade desde de junho 2013) mas no cenário norte-americano é um resgate de posturas drásticas e contundentes de pontos de vista extremados em: “todos devem ter tudo” e “cada um que trabalhe e consiga o que se quer”.

No fim dos anos 80, as preocupações com ecologia também pareciam mais fortes e urgentes. Foram ali plantadas as sementes da Eco92 e do Protocolo de Kyoto. Depois a coisa esfriou, muito se debateu e pouco se avançou. O clima, este que não volta atrás, está ficando cada dia pior e agora as preocupações com a ecologia parecem novamente mais palpáveis. Talvez a geração que cresceu com os conselhos do Capitão Planeta, agora conseguirá tomar a frente do processo e conseguir limitar as emissões de carbono tão eficazmente quanto o Protocolo de Kyoto reduziu as emissões de CFCs e freou a crescimento do buraco da camada de ozônio.

No Brasil também estamos vendo um hóspede indesejado dos anos 80, querendo pular o muro de volta para o nosso dia a dia: a inflação. Basta lembrar o quanto se gastava para encher o tanque do carro há dois ou três anos atrás ou pensar na conta do supermercado do Natal de 2012 e na do de 2014 para constatar que está valendo a pena fazer “compra do mês” para evitar os aumentos. A inflação ainda carrega uma avalanche de problemas sociais que estão pipocando nos jornais: desemprego, aumento da violência, diminuição da renda. Hoje me sinto muito mais privilegiado de ser funcionário público que um ano atrás, nos momentos de crise a estabilidade é tão valiosa quanto um bom travesseiro após um dia exaustivo de trabalho.

Fechando com o óbvio, que pode ser facilmente explicado pelo fato da geração de 30, 40 anos estar agora ascendendo no mercado e isso trazer seus referenciais para os produtos de consumo. Mas o fato é que temos nos cinemas Exterminador do Futuro, Jurassic Park, Independence Day, Transformers e mais uma pá de franquias diretamente dos anos 80 que estão florescendo como se nos 20 anos que ficaram esquecidas estivessem apenas guardando forças para erguerem-se mais fortes (o que não voltou, pode ter certeza, ainda vai voltar). Isso sem falar na febre de pixel art, óculos, tênis, claças, enfim na volta de toda a moda dos anos 80.


Ao meu ver, o que desencadeou essa volta ao cenário dos anos 80 foi justamente a crise econômica de 2008. Apontaria ali como o marco, como o momento do despertar dessa geração para o “ei, os recursos são limitados, se eu posso fazer as coisas como meus pais fizeram, porque vou fazer da melhor forma possível?”. Brincadeiras à parte, no fim de tudo sempre encarei os anos 80 como um período onde estávamos à beira do precipício. Parece que por 20 anos evitamos olhar para ele, e agora a realidade nos força a olhá-lo; não haverá mais tempo de olhar para o lado, ou construímos uma ponta para transpô-lo ou saltamos por ele e curtimos um emocionante queda livre com um final não muito feliz.

Talvez se este conselho tivesse sido seguido poderíamos ir adiante até o ano 2020....

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