Sub-Título

Todas as segundas, quartas e sextas um artigo quentinho com opiniões aleatórias, questionamentos socráticos e visões confusas de mundo!

segunda-feira, 22 de junho de 2015

A roda viva de Borges

"Essa bala é antiga." Assim começa mais um dos dilacerantemente incríveis textos de Jorge Luis Borgers, chamado In Memorian J.F.K. Ele se refere ao assassinato do presidente norte-americano John Fitzgerald Kennedy em Dallas, Texas, em 22 de novembro de 1963. Os Estados Unidos estavam em polvorosa. O movimento da contracultura avançava a passos cada vez mais largos, a luta pelos direitos civis dos negros também estava em um dos seus ápices e havia, ainda, a Guerra Fria e a guerra contra o comunismo simbolizada, à época, pelo Vietnam. À título de curiosidade, capitalistas se mostraram tão incompetentes quanto comunistas no conflito, como estranhas versões de um mesmo monstro. Um muro cruzava Berlim e a Alemanha estava quebrada ao meio. A América Latina ordenhava o sangue das incontáveis ditaduras... Mas, voltando às origens do texto, "essa bala é antiga".


Segundo o poeta e contista, ensaísta e tradutor argentino, a bala que matou J.F.K. também matou um presidente uruguaio em 1897 e, antes, Lincoln - que aboliu a escravidão nos EUA. Do metal desse projétil também forjou-se a lâmina usada por Bruto para assassinar César. E a mão que empunhou a adaga também foi a mesma que disparou os diversos tiros que mudaram a história de nações e do mundo. O membro nasce do apêndice cruel dos "ciclos históricos", uma ferramenta do tempo para esfregar na cara da pungente humanidade que ainda somos a escória do passado que, no presente, melhor equipada, segue a passos trôpegos pela escuridão. O tempo chafurda nossas narinas dilatadas na merda que nós mesmos fizemos no passado e o pior é que não percebemos como o cheiro podre se parece com as fezes que excretamos no presente.

Arremetidos rumo ao futuro pela espiral da história, não percebemos o quão semelhantes são os fatos, que parecem se repetir como as estações dos anos, mais ou menos iguais, mas sempre particulares. Sem solstícios ou equinócios bem marcados para evitar grandes e pequenas tragédias e garantir as parcas colheitas, marchamos. Refletindo sobre isso me veio à mente um vídeo sobre a evolução dos primatas até os do Homo sapiens. Somos um galho de uma árvore que se desenvolveu por milhares de anos. Temos um acenstral em comum, inclusive, com nossos primos um pouco mais peludos (nem sempre), os Chimpanzés.Se você caminhar pela história da evolução da espécie humana, não encontrará um primeiro humano. Só uma mudança gradual de ancestral para ancestral, começando por nossos pais e avôs, que pode ir até uma figura incrivelmente diferente de um primata.

Assim, penso, tem sido nossa história. Uma volta um pouco diferente da outra, mas incrivelmente semelhante, a não ser que voltemos até as cruéis eras em que caçadores e coletores matassem uns aos outros por um graveto incandescente. Por isso, também, a lei do talião não se aplica mais hoje. Por isso, parecemos tão diferentes daqueles povos que queimavam cientistas e filósofos na fogueira e que dominaram perigosamente o mundo, negando abertamente tudo que já tinha sido descoberto até então. Opa! Não... pera... Isso está acontecendo aqui e agora! WTF!!!??

Essa fogueira é antiga. Às portas da Guerra Fria, diante de grupos terroristas islâmicos com força quase continental, em um país sob a sombra do fascismo evangélico, entre os monstros da cristofobia e da islamofobia, eu me lastimava, até pouco tempo atrás, por não ter vivido nos dourados anos do movimento hippie, do Vietnam, de Martin Luther King. Do rock de verdade (Yeah!!!!). Lamentava por não ter participado, como meus pais, da luta contra a ditadura no Brasil. De não ter entrado na clandestinidade e não sofrer censura contra os meus arroubos poéticos. "Liberdade! Igualdade! Fraternidade!", eu gritaria. E meu coração se entregaria às românticas engrenagens das revoluções.

Eu me lastimava por isso tudo. Mas, então, olhei para minha época. Vivemos sob a ameaça de uma crise financeira mais grave, com promessas de um inverno severo, em vias de uma catástrofe global sem ponto de retorno, diante da instabilidade fronteiriça dos países europeus, com o congresso brasileiro composto, basicamente, por traidores. Tudo tão fresco e tão velho. E agora, me aflinjo pensando, com urgência, no que fazer na nossa época tão turbulenta, onde chocam o ovo da serpente e deus ergue sua mão tirânica sobre as nações. Qual será o meu papel nesse teatro do absurdo? Quero respirar, quero escrever, quero criar. Quero gritar aos quatro ventos uma ideia diferente. As cadeiras dos gênios e dos movimentos de contracultura estão vagas. Precisamos nos tornar gigantes para garantir que, após a severa tempestade, os arqueólogos encontrem nossas pegadas. Meu coração bate. Faça alguma coisa! Faça alguma coisa! Essa frequência é antiga.



In memorian JFK

Esta bala é antiga.
Em 1897 disparou-a contra o presidente do Uruguai um rapaz de Montevidéu, Arredondo, que havia passado longo tempo sem ver ninguém para que o soubessem sem cúmplices. Trinta anos antes, o mesmo projétil matou Lincoln, por obra criminosa ou mágica de um ator a quem as palavras de Shakespeare haviam convertido em Marco Bruto, assassino de César. Em meados do século XVII, a vingança a usou para dar morte a Gustavo Adolfo da Suécia em meio à pública hecatombe de uma batalha.
Antes, a bala foi outras coisas, porque a transmigração pitagórica não é somente própria dos homens. Foi o cordão de seda que no Oriente recebem os vizires, foi a fuzilaria e as baionetas que destroçaram os defensores do Álamo, foi a lâmina triangular que segou o pescoço de uma rainha, foi os escuros cravos que atravessaram a carne do Redentor e o lenho da Cruz, foi o veneno que o chefe cartaginês guardava em um anel de ferro, foi a serena taça que num entardecer bebeu Sócrates.
Na aurora do tempo foi a pedra que Caim lançou contra Abel, e será muitas coisas que hoje nem sequer imaginamos e que poderão concluir com os homens e com seu prodigioso e frágil destino.


Nenhum comentário:

Postar um comentário